19 outubro 2012

O corpo conduz, a mente domina....

Por mais que eu olhasse no espelho eu nada via. Nem mais um fio de cabelo branco, nem mais uma ruga. Tudo estava normal. Exceto a minha cisma de que algo estava diferente. Me dirigi para a cozinha e preparei um café. Odeio café instantaneo. Essa droga é pior que toda a porcaria da comida européia que eu tinha sido obrigada a engolir até agora. Isso me bateu uma saudade muito grande de minha avó. Resolvi que como estava amanhecendo, e ela sempre acordava muito cedo, a ligar pra ela. Peguei o telefone e eu falei com a telefonista, logo eu ouvi chamar. Uma, duas, incontaveis vezes e eu ansiosa me perguntando porque minha avó não atendia... Entao a voz da recepcionista novamente pra dizer que era pra eu tentar mais tarde. Droga. O que raios eu estava fazendo ali? Eu estava com saudades. Eu estava entediada com os maçantes dimingos londrinos, eu estava sentindo falta do calor brasileiro. E não aquele calor do Rio de Janeiro no verão, mas o calor humano. Aquela forma única de sorrir que o dono da padaria tinha, aquele calor que os brasileiros transmitiam porque apesar de toda a crise eles sabiam se apoiar e se amar. Cinco anos atrás eu abandonei tudo com a morte de meu avô. Passei a cuidar integralmente de minha avó. Ela preservou as fazendas. Disse que nao era hora de vender. Que nós não sabíamos o que esse novo presidente ia fazer. E que o avô não confiava absolutamente nele. Onde ja se viu eleições diretas e um cara novinho como aquele ser nomeado presidente. Eu concordei mas me perguntei como aquilo seria administrado. Meu avô arrecadou uma consideravel fortuna com as fazendas. Mas ele sempre administrou aquilo tudo sozinho. Eu não entendia nada de agricultura, muito menos de administração. E minha avó mal assinava o nome. Não sabia ler. Eu então tomei uma decisão drastica. Voltei pra faculdade e entrei no curso de administração. Na minha classe havia somente eu de mulher nesse curso. Não sei porque as pessoas insistiam em dizer que o mundo havia mudado, para mim ainda era o mundo de meu avô, aquele em que os homens dominavam e as mulheres obedeciam. Mas eu estava lá. Fazendo administração. Procurei o tutor do curso de agronomia e perguntei se poderia assistir alguma de suas aulas. Ele assentiu. Eu então procurei meu tutor de música e disse que queria continuar o curso durante a noite. Ele me disse pra esperar ate o proximo ano porque eu estava sobrecarregada de reaponsabilidades, como meu avô havia morrido no final de agosto, ele não ia me reprovar aquele ano desde que eu fizesse a prova final. E ele tinha certeza que eu passaria. No ano seguinte eu estava lá, louca e dividida entre três cursos. Mas naquele ano muita coisa mudou. O presidente Fernando Collor de Melo incitou uma revolução dentro das universidades. Os estudantes estavam mais preocupados em serem revolucionarios do que em concluir sua graduação. Mas nesse palco ela conheceu Mateus. Ele era a personificação da perfeição. Estava no ultimo ano de agronomia e era um deus disfarçado de homem ela tinha certeza. Nunca antes havia realmente se olhado no espelho antes. Só pra arrumar os cabelos e escovar os dentes, ver se havia alguma imperfeição em sua pele. Era uma garota de 22 anos que nunca havia sido beijada. Ela só tivera real contato com um homem em sua vida, seu avô. Percebeu o quanto sua vida era estranha. Se contasse aquilo a alguem provavelmente ririam dela. Mas as coisas estavam ocorrendo tão rápido naquele ano. Enquanto o Mateus se dividia entre ela, os estudos e as revoltas, ela abandonou a agronomia e a administração se dedicando inteira e intensamente a música. Então eu me vi casando com Mateus, e ele passou a tomar conta de tudo. E eu me olhei no espelho. Devia ter puxado a minha mãe. Eu tinha grande olhos azuis e uma boca pequena e vermelha. Eu tinha cabelos negros e um corpo perfeito, então por que eu estava tão preocupada com a noite de núpcias? E foi hilário!! Quando eu vi o Mateus nu, com aquilo apontando pro meu lado eu quase tive uma síncope!!! Eu saí correndo e gritando pelo quarto como se aquilo fosse me salvar. O Mateus perdeu a paciencia. Ele não teve consideração se eu era virgem ou não, acho que ele realmente não se importou. Eu estava agora na cama, nua e ele me lambia feita um gato e tudo que eu pude sentir era nojo. Eu tomei aversão ao ato sexual. Não rara as vezes que eu estava indisposta ou com dores de cabeça. Mas enquanto se dava a transição de governos com o impeachment do presidente mais absorta em música eu estava. Meu casamento se deteriorava. Eu ja nao comparecia aos meus deveres de esposa e meu marido passava mais tempo na fazenda que em casa. Naquele ano eu fui convidada a tocar em Berlim. Não pensei no que isso resultaria apenas tirei meu passaporte, visto e parti. Quando eu voltei eu vi com quem eu meu casei. Mateus estava furioso. Eu nunca o havia visto daquela forma. Ele quebrou meu violino e me bateu ainda lembro das palavras dele "mulher minha não sai por aí tocando feito uma rameira. E minha avó me aconselhou, disse que meu avô também não gostaria do que eu estava vivendo e nos dois anos seguintes eu não vivi. Apenas existi. Mateus não cansava de exibir suas amantes e me expor publicamente ao ridiculo. Até o dia em que eu fui ao supermercado e encontrei um colega do curso de música. Adriano era bem discreto, tímido. Eu e ele trocamos telefones e passamos a nos falar. Eu criei coragem e comprei uma flauta, lógico que eu escondi isso de meu marido. E também passei a me encontrar as escondidas com Adriano. Estava nas nuvens. Ele era tudo que o Mateus nunca seria, educado, rico, e estava apaixonado por mim. Quando eu achei que eu amava o Mateus eu não percebi que ele estava mais interessado em minha fortuna que em mim exatamente. Hoje amargamente eu tinha essa noção. Eu deleguei tudo a ele. E hoje ele era um homem rico as minhas custas. Era pra ele me paparicar e me encher de mimos, ja que eramos casados com separação de bens, graças a uma clausula no testamento de meu avô, mas o Mateus parecia confiar demais em seu rostinho bonito para pensar que eu o largaria. Demorou três meses ao lado do Adriano para que eu abandonasse tudo e fosse com ele pra Londres. O trágico é que eu mandei um advogado acertar os termos do divórcio e o Mateus se recusou a assinar. Eu entrei com o litigio. E consegui. Eu agora havia me casado com Adriano, estavamos felizes, mas algo parecia querer destruir minha felicidade. O Adriano sofreu um acidente de carro e faleceu. Meu mundo desmoronou, ainda assim eu permaneci ali. Eu enterrei meu marido com toda a dignidade e me afundei no trabalho pra nao sofrer. Eu amava a música, Adriano também. Eu eatava na sinfônica londrina, sonho de qualquer músico. E eu estava realizada. Então porque eu estava ali sentada naquela poltrona infeliz? Porque eu estava com tantas saudades de casa?. Peguei o telefone e tentei mais um telefonema pra casa. Aquele era meu apartamento, meu orgulho, mas definitivamente nao era meu lar. Meu lar estava onde meu coração estava. E no momento minha avó era meu coração. Mais uma vez a telefonista me avisou que ninguem atendia. Minha avó raramente saía. Ela tinha uma pessoa que cuidava dela e mais uma cozinheira e uma faxineira. A faxineira nao ia aos domingos mas a folga da cozinheira era na sexta. Portanto era estranho ninguem atender. Quantos dias nao falava com sua avó? Dez!!! Uma eternidade. Peguei alguma coisa para comer enquanto escrevia essas linhas. Voltei ao espelho duas vezes ja. Nao achei nada de errado. Continuei aqui, escrevendo. Nesse diário. As quatro horas meu telefone tocou. Certamente era alguma agenda de ultima hora para aquela noite. Pensei em não atender mas peguei o telefone e disse um seco "hi" como era  comum por la. Então eu ouvi uma palavra familiar: Senhora Cassia? Nao miss, mas senhora. Eu contente por ouvir minha lingua novamente disse um oi alegre. Bem perdão, trago péssimas notícias. Sua avó infelizmente faleceu nessa madrugada. Somente agora conseguimos contatar a senhora. E desculpe mas como única parenta, a senhora necessita vir e autorizar os papéis para o enterro ou crematório........ Eu estava em choque. Eu murmurei um estou indo, mas voltei para a mesa e escrevi mais essas palavras. Agora sei o que eu sentia e o espelho nao me dizia. Não estava no espelho mas dentro de mim. Notei que eu fiz tudo que quis mas abandonei quem era meu porto seguro. Eu fiz exatamente como a minha mãe, se meu avô estivesse aqui ele provavelmente se envergonharia de mim. Ele diria que eu era mesmo como ela. E eu matei minha avó com minha distancia, assim como minha mãe matou meu pai. E eu não tinha mais um lar. Porque meu lar não era minha casa e sim minha família e agora eu não tenho nenhuma....

Nota: Uma pessoa achou esse diário
Numa caixa que pertencia á sua tia avó. Mas segundo ela não tem nenhuma relação com ela ou com a família dela. Mas o marido dela tinha um sobrinho chamado Adriano que morreu em Londres num acidente de carro, porém nunca ninguém da família teve conhecimento que ele foi casado. Essa pessoa pesquisou quem poderia ser essa mulher cujo o diário de apenas 5 páginas é tão interessante. Porém o diario não menciona sobrenomes e nem datas ou lugares, no fim do diário tem a frase escrita "O corpo comanda, a mente domina" e o restante esta tudo em branco. Portanto eu modifiquei os nomes dos personagens. Tomara que eu não esteja infringindo nenhuma lei.

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