Era
aquela a hora. Faltavam cinco minutos para a meia noite e ele acabara de montar
aquela cena. Porque a perfeição estava naquilo que se fazia e Deus o ajudaria.
Portanto ele fotografou aquela cena. Ele era a perfeição de Deus.
Alana estava se sentindo
sufocada. O calor era infernal naquela hora do dia. Ligou o ar condicionado e
começou a analisar as fotos. Tinha pedido sua folga para aquele dia, mas sendo
véspera de feriado eles negaram dizendo que precisavam de todos. Não entendia
como um feriado religioso trazia mais e mais brigas e mortes.
Lucas entrou em sua sala meio
afobado. Aprendera a apreciar o amigo. Era um dos poucos que conquistara
naquele lugar o que fazia pensar se fizera uma coisa certa ao escolher a Bahia.
Eles eram um povo festeiro demais e curioso demais, e ela era restrita demais.
Não permitia invasão à sua privacidade. O que gerara uma certa animosidade
entre os colegas. Mas hoje, especialmente hoje precisava desabafar. E talvez o
Lucas tenha entrado ali na hora certa.
— Pausa para o almoço miss Santa
Maria?
— Tenho muito trabalho e não
estou especialmente com fome. Mas se você vai sair pra comprar poderia me
trazer uma salada de frango.
— Algo mais?
— Sim!!! Uma caixa de cerveja
beeeemmm gelada.
— Engraçadinha. Que tal um suco
de laranja bem gelado?
— Válido!! Alguma novidade?
— Aqui? Por enquanto não. Parece
muito calmo para o meio dia.
— Espere até as quatro e verá!
Lucas saiu como sempre afobado.
Era típico dele andar correndo. Talvez fosse toda a idade e juventude.
O telefone de sua mesa tocou.
Pensou duas vezes em não atender mas o barulho a irritava mais que um trote a
irritaria.
— Delegacia de Homicidios,
doutora Alana Shneider boa tarde.
— Mirela Andrade Couto, 14 anos, desaparecida em 24 de outubro. Você irá
encontrá-la na Igreja de Santa Luzia do Pilar.
Ouviu o clique do telefone sendo desligado.
Ligou para o departamento de desaparecidos e pediu pra conferirem. Era
obrigação da Policia Militar conferir essas coisas. Mas a desorganização ali era demais. Olhou
pela janela e viu um pingo de chuva. Aquilo era um martírio. Só iria piorar o
calor e a maresia. Lucas entrou e deixou sua salada sob a mesa.
— Se eu fosse você não comeria. —
disse ele com aquele ar de nojo. — Acabaram de ligar e um corpo foi encontrado
na igreja de Santa Luzia. Os vizinhos reclamaram do mau cheiro da igreja. A
senhora da limpeza chegou ao local meio dia e tiveram que hospitalizá-la. Ela
está em estado de choque.
Levantando-se ela começou a
juntar suas coisas e marchar para o local.
Na entrada pediu para a secretaria rastrear o ultimo numero que ligou
pra ela. E pedir as gravações do local.
Durante todo trajeto de carro ela
e Lucas conversaram sobre amenidades. Família e mais e pela primeira vez ela
conseguiu dizer a ele coisas pessoais.
— Então você foi policial no
Canadá por seis anos?— Lucas perguntou.
— Sim, eu fui pra lá estudar
direito. Acabei na academia de polícia. Me formei e continuei.
— E trabalhou na homicídios lá?
— Não. Lá era uma delegacia que
atendia de tudo. Não era como uma capital. Apesar de estudar em Toronto eu
trabalhava numa vila pequena com um índice baixo de criminalidade. Nos meus
seis anos vi apenas dois homicídios. Tinha várias brigas e outras coisas mas
nada comparado a isso aqui.
— Então o que te torna
especialista nisso?
— Um curso de dois meses que fiz
nos Estados Unidos. Los Angeles é péssima quando se fala de criminalidade. Em
dois meses lá eu quase enlouqueci.
— Porque você foi?
— Porque entramos em algo que não
gostaria de discutir, me desculpe Lucas.
— Tudo bem Alana. Eu entendo.
Então Miss Santa Maria virou Miss Toronto agora?
—Hahahaha outra piada. Não pedi
pra nascer loira, mas garanto que nada muda minha inteligência, isso é puro
preconceito de vocês.
— Ainda prefiro Miss Santa Maria
aos outros apelidos que te deram.
— Barbie do Sul? Medusa frígida?
Acha que eu não sabia?
—Chegamos. Depois discutimos
isso.
Vinte anos havia se passado desde
que Alana entrara em uma igreja pela ultima vez. Depois daquela cena nada a
faria voltar novamente. No meio do tapete vermelho central que levava ao altar
estava uma garota vestida com roupas que pareciam a dos santos. Ela tinha em
uma das mãos um prato contendo seus olhos, na outra um ramo verde. Uma cena
bizarra.
Uma espécie de poste foi colocado
de modo a segurar o corpo. O sol escaldante fizera com que o estado de
putrefação se iniciasse mais rápido e a menina estava sangrando o que aumentava
o mau cheiro. Uma carta meticulosamente
colocada aos pés dela dizia assim:
”E os humildes herdarão o reino
dos céus. Adorem a virgem que negou-se a casar e perder a virgindade para um
pagão. E lhe foi perguntado o que ele lhe admirava, e prontamente ele respondeu
‘seus belos olhos’ e ela os retirou para entregar ao homem. Isso é a prova de
fé, Jesus está voltando e ele precisa de novos mártires, não de falsos profetas”
Não havia nenhuma imagem de santo
na igreja. Todos haviam desaparecido. Um louco estava a solta criando novos
santos ou imortalizando os antigos.