01 junho 2014

Boca fechada não resultada em nota baixa

A vida estava chata, trabalho casa, casa trabalho.
Nada acontecia, nada era feito, o dia inteiro a mesma coisa.
“Você precisa trabalhar neste texto, preciso dele até 4ª feira que vem!”
“Vamos, corra! Mexa-se! Outras no seu lugar davam conta desse recado e você ai enrolada!”
“Não, você não falou nada, você não fez nada”
Essas e outras eram algumas das coisas que eu ouvia. Já estava de saco cheio do trabalho, do patrão e da vida.
Queria mudar, mas não sabia o que fazer.
E naquela manhã o dia começou feio, nevoeiro, frio – mas muito frio, tipo 12º. Eu de moda cebola, 3 ou 4 roupas para esquentar.
A playlist ligada em Linkin Park no último volume para não notar que o metrô estava cheio demais, mal conseguia segurar no suporte acima da minha cabeça. E ainda ia dançando discretamente, foi quando aconteceu.
O metrô mexeu de forma estranha e lá fui eu pagar o mico da década, cai sentada no colo de um carinha lindo.
Eram pernas emboladas no ferro ao lado, bolsa na cara da mulher do outro lado, meu rosto ao lado do dele, conseguia ver até as pintinhas lindas que tinha na pele branquinha. E minhas bochechas pegando fogo.
Sim, sentada! Vergonha pura, queria morrer.

Mas não é que o gatinho levou na esportiva? – Essa eu não ia perder! Não podia perder mesmo!
- Desculpe, mas cheio demais e eu focada na música, não consegui segurar quando houve o tranco.
- Tranquilo, todos podemos passar por isto um dia na vida. Apesar que eu não quero cair no colo de ninguém. Sente no meu lugar, eu também não quero você caindo no colo de outros por aí.
Fiquei vermelha, abri o melhor sorriso e sentei no lugar dele. Pedi a mochila dele para segurar e comecei a conversar.
Em dez minutos sabia que se chamava Paulo, morava perto da minha casa, trabalhava no mesmo bairro que eu e era analista de sistemas. Pobre de mim, que não entendo nada disto.
Mas ele curtia as mesmas coisas que eu. Foram 15 minutos de viagem e ao final, quando estava saindo da estação, ele pediu meu telefone. Por óbvio que dei.
- Ligo para você, vamos combinar uma pizza, combinado?
- Claro, quando você desejar. – Apertei sua mão e virei para sair. Mas ele não se segurou e rapidamente falou:
- Hei, nada de cair sentada no colo de outro por ai, viu?
Nossa, que vergonha! Teria que aturar isto por mais quanto tempo.
Duas horas depois estava de saco cheio no trabalho, quando abri o Facebook, tinha um pedido de nova amizade. E quem era?
O gatinho do metrô. Estava lindo na foto da capa. Lábios carnudos, óculos, jeans e camisa social, sentado num gramado verde e com várias flores em volta.
O aceitei e passamos a conversar via facebook, no fim do dia estava sabendo tudo que precisava dele, nome, endereço e telefone.
Marcamos a pizza para a noite seguinte. Vida nova em minha vida!
Um frio do cão em São Paulo e eu tentando fazer posse dentro de um vestido de musseline azul, tudo para realçar a cor dos olhos. O casaquinho de lã que eu coloquei por cima não foi suficiente.
No meio da noite tremia de frio e mal conseguia conversar com ele. Queria ficar perto do fogo, queria o calor. Depois de algum tempo comecei a espirrar, tentando não demonstrar nada, mas acabei resfriada.
- Menina, você não tinha um vestido mais quente?
- E menos sensual? Não, obrigada, prefiro este. – Eu ia descer do salto? Nem morta! Era nosso primeiro encontro, não ia perder a oportunidade de seduzi-lo.
Mas perdi, no fim de tudo, não consegui chegar ao fim da noite, tive que ir parar no pronto socorro. Congelada! Quase que literalmente.
Precisei de dois dias inteiros para voltar a ativa. E ele rindo de mim no face ou no telefone. Aquilo me tirou do sério, como assim, me arrumo toda pro cara e ele fica rindo de mim. Pois bem, revidei.
Marquei outro jantar, dessa vez lá em casa. Liguei o aquecedor, fiz um fondue delicioso de queijo e outro de chocolate. Abri uma boa garrafa de vinho.
E o deixei bem a vontade. Vesti jeans e camiseta, nada de vestidos frescos e verão, curti o inverno que fazia lá fora.
O jantar transcorreu tranquilamente, o vinho delicioso o soltou mais do que eu esperava e já que eu estava ali e ele também, por que não?
Começamos a namorar, tudo corria bem e eu super animada. Sozinha a tanto tempo, queria muito alguém pra me fazer feliz.
E eu estava muito feliz naquele momento, foi maravilhoso. Quase perfeito.
- Então, por que você está sozinha sem o carinha criatura? O que deu errado?
Deu errado é que após a noite boa que tivemos ele fez a pergunta mais idiota do mundo:
- E aí, foi bom?
- Claro que sim. Adorei.
- De 10 a zero, quando eu levo? – Na hora lembrei dos jurados das escolas de samba, que passam o desfile inteiro vendo bundas e peitos e falando na terça-feira seguinte: nota 10! Dez! nota dez! Me vi descendo o carro alegórico, com a bunda cheia de purpurina e nua. Justo eu que odeio carnaval. Tinha que perguntar justo pra mim?
- Cinco. – Falei com ar de candura e doçura, na esperança de resolver o assunto e começar o segundo tempo. E falei sem pensar, sem ponderar, sem questionar.
Mas o cara fechou a cara, não gostou nenhum pouquinho da nota. Levantou da cama, vestiu e saiu. Nem tchau deu.
Nunca mais atendeu a ligação e me excluiu do Face. Mas quem mandou perguntar qual nota ele merecia? Eu não sou jurada sexual! Que coisa!
Ai, outro dia ele estava no metrô, entrei e sentei de frente pra ele, era sábado, abri o livro que lia e mergulhei em Kafka e sua barata. Não dei atenção a ele.
Quando ele saiu, colocou um pedaço de papel no meu colo:
- Pra você eu dei nota 10! E gostaria muito de falar com você de novo. Me dá uma nova chance?
Nem me dignei a olhar pro lado dele! Sem chance. Não sou jurada de escola de samba! E muito menos passista pra ser avaliada.
Já pensou? Eu linda, bela e formosa com ele e me vendo de novo em pleno Sambódromo Paulistano nua e cheia de purpurina? Não ia prestar, com certeza não ia prestar mesmo!
E assim, sigo só e mal acompanhada. Por que ele não ficou de boca fechada?


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